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Filho Ilustre – Nas mãos de José da Mota, gesso vira arte

 

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Mota partiu cedo para São Paulo em busca de emprego. Na Capital Paulista aprendeu o ofício de gesseiro

Por Mariana Tiso (Estagiária)
Edição Arlene Brito

Ele nasceu a uma hora da manhã de 1934, em um sítio. Veio para compor a família de seis irmãos e duas irmãs. A mais velha delas morava em São Paulo. Os planos da mãe sempre foram que os filhos pudessem estudar, mas não tinham dinheiro para isso. José da Mota – Mota – como gosta de ser chamado, relata que o pai sempre gostou das jogatinas, o que dificultou ainda mais a possibilidade das crianças frequentarem a escola.

No auge dos seus 16 anos, imaginou que precisaria de uma profissão, já que logo ficaria adulto e o pequeno sítio não daria conta de oferecer a todos o que necessitariam para sobreviver. Então, pediu autorização para seguir a irmã rumo à capital paulista. Ordem concedida, o jovem juntou suas coisas e partiu em viagem.

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O mineiro soube aproveitar oportunidades e se dedicou; se tornou referência na profissão

Na cidade grande, Mota encontrou muitas dificuldades em conseguir um emprego, pois ainda se tratava de um garoto. Indústria nenhuma o contrataria com 16 anos de idade e ele teria que se apresentar às Forças Armadas do Exército em breve, mais um obstáculo para o rapaz que sonhava aprender um ofício e entrar para o mercado de trabalho.

Mas de tanto insistir, conseguiu então um bico na área da construção civil. Era um cinema que tinha pressa na obra, um lugar que deveria ficar muito elegante e, segundo ele, na época rendia um bom dinheiro para os donos e também para quem trabalhava em obras do tipo.

Logo o pessoal do gesso chegou para dar acabamento à obra. A corrida contra o tempo fez com que um dos sócios dessa empresa viesse à linha de frente, ajudando diretamente nos serviços. Foi assim que Mota fez amizade com o Italiano que o convidou para trabalhar com a matéria prima, explicando como era o serviço e destacando que naquele tempo o gesso só era encontrado nas capitais. No entanto, anunciou o dinâmico Italiano, havia muitos serviços encomendados para o interior e José da Mota teria a preferência.

Uma grande oportunidade estava ali à sua frente. Avaliando tudo, decidiu que para ele valeria a pena.  Os 25% a mais, o hotel pago e a liberdade de criação puseram fim a qualquer dúvida quanto a trabalhar ou não com gesso.

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Em Três Pontas, com as netas Nádia e Naiane

Ao pedir conta no trabalho de construção, o patrão não achou nada bom e tentou influenciar Mota, dizendo que iriam agora para a obra de uma residência fina e que ele iria executar suas tarefas ao lado do famoso Joasil – pedreiro de primeira e ex-jogador do Atlético Mineiro. Não bastou, Mota já estava decidido.

Ao se encontrar com o Italiano novamente, conta Mota, ouviu coisas das quais nunca mais se esqueceu: que teria boa gente para ensiná-lo a ser um bom modelador e desenhista e que ele era inteligente o suficiente para aprender tudo sobre aquela arte. No entanto, José da Mota Filho diz ter tido também sorte. A sociedade entre o Italiano e outro empresário se dissipou, fazendo com que ele precisasse se multiplicar no desempenho de todas as tarefas, o que mais tarde resultou na incrível habilidade com o gesso. 

Sem fábricas, os homens tinham que montar em cada cinema sua própria oficina. Assim, produziam peças para o teatro e para outros de fora. Faziam absolutamente de tudo, mas as funções eram divididas e nem todos gostavam de aprender a colocar a moldura na parede. Mota assimilou isso e muito mais, sabia modelar e colocar, desenhar, ler desenhos, fazer formas. Podia, então, pegar um projeto e entregá-lo com o serviço completamente pronto. Sozinho, fazia o trabalho de outros quatro homens. “Tive um bom mestre, diplomado em artes e ofícios. Na turma de 20 alunos, o Italiano tinha destaque de primeiro lugar”.

Além de reconhecido professor, o patrão foi também um bom amigo. Com nove anos de profissão ao lado do Italiano, Mota recorda que existiam três modeladores, sendo ele, um irmão mais velho que veio depois e um rapaz chamado João de Cristo.

No caminho de Mota, a Matriz das Três Pontas

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Na Terra do Beato Padre Victor, primeiro trabalho foi na Matriz d’Ajuda

Em dezembro de 1959, Mota foi escalado para a obra da Matriz Nossa Senhora D’Ajuda, em Três Pontas – no interior das Minas Gerais. Trabalhou na cidade durante todo o ano de 1960. Gostou tanto que fez dela sua terra por excelência.

Enquanto deixava a marca de seu conhecimento e habilidade no majestoso templo, o rapaz morou na Casa Paroquial, fato que não poderia ter acontecido, já que não era permitido o pouso de estranhos. O apartamento era em cima da garagem, na parte de fora da casa. Ficou o ano naquela suíte, almoçava com o Padre e torcia pelo time da casa, o Trespontano Atlético Clube (TAC) que, segundo ele, tinha bons competidores – Borá e Everton, por exemplo. Ainda hoje, os atletas estão na lista de convivência do artista gesseiro que, garante, já fez algum serviço para os ex-jogadores. Como sempre gostou de conversar, Mota não teve dificuldade em fazer por aqui sólidas amizades e enche de orgulho ao afirmar ser “um velho querido nessa cidade”.

O irmão mais novo veio de São Paulo para ajudar no serviço da Igreja. Enquanto Mota fazia a modelagem e preparação, o mano era quem colocava as peças na parede. Homem de extrema confiança, o funcionário Mota nem pedia ao patrão, apenas avisava. “Está chegando outro mineirinho pra trabalhar”.

O ofício contagiou e nessa época eram quatro irmãos que se mudaram de Diamantina para a Terra da Garoa a fim de ganhar o sustento com a arte em gesso. Para orgulho de José da Mota Filho, três deles, juntos, montaram uma oficina em Belo Horizonte que, por três vezes consecutivas, ganhou como a melhor empresa do ramo.

Concluído o serviço em Três Pontas, Mota voltou para a residência em São Paulo.

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Busto de Padre Victor, uma das obras do gesseiro, se encontra na Casa da Cultura Alfredo Benassi, no Centro de Três Pontas

O busto de Padre Victor

“Um padre de Roma veio para Três Pontas falar sobre a canonização do Padre Victor e disse às Irmãs que deveriam usar imagens dele quando ainda era mais novo, vigoroso. Então, peguei uma foto do religioso e fiz o molde. Havia outro padre de Varginha, que atuava em uma Igreja no Bairro Padre Victor de lá, que queria uma imagem só do busto do futuro santo”, começa Mota.

“Mas antes disso, eu já havia feito, não com o mesmo molde, mas já havia feito um busto para o Odilon Doce, antigo Oficial de Justiça de Três Pontas. Eu morava em São Paulo e ele encomendou, queria em tamanho natural. Odilon me disse que tinha tentado fazer sozinho, que ficou muito ruim, uma coisa horrorosa”, fala entre risos. E prossegue. “Trinta anos depois de ter passado por Três Pontas, fazendo essa escultura para o padre de Varginha, o zelador do prédio em que eu morava em São Paulo, vivia adivinhando as coisas e um belo dia, quando passei com o busto do Padre Victor – ele que nem conhecia nada da história – disse, “esse homem vai fazer você ganhar muito dinheiro, vai fazê-lo ganhar na loteria”, desde então eu jogo semanalmente. O meu propósito é ajudar a educar meus netos, como um dia quis minha mãe, pra ninguém ter que sair de casa e buscar uma profissão, não que isso seja ruim, pra mim foi ótimo, mas eu quero pra eles o que eu nunca tive”.

Entre os famosos

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Mota com a esposa Dita e a neta Mariana

Mota esteve na casa de muitos famosos, trabalhou com conceituadas decoradoras que se reuniam toda semana e procuravam sempre um bom profissional para esse tipo de serviço. Eram 14 decoradoras que muito o requisitavam.

Nos anos 60, atuou na casa de Sílvio Santos (SBT) e no apartamento de cobertura do também apresentador Rolando Boldrin. Assinou trabalhos ainda na residência do locutor da Band FM e dono da voz que marcou as “Diretas Já” – Osmar Santos e, há apenas oito anos, na casa do presidente do Corinthians Ari. O saudoso Clodovil certa vez montou uma loja no centro do Ibirapuera e foi “o velho” Mota quem fez toda a parte do gesso.

Propagação

José da Mota compartilhou o aprendizado, sobretudo prático, acumulado ao longo de sua vida. Ensinou o ofício aos irmãos mais novos e a alguns rapazes que hoje são profissionais do ramo e têm suas respectivas oficinas na cidade de São Paulo. Tentou transmitir a arte da profissão a um filho que, garante o patriarca, “é bom no que faz e só não aprendeu a modelar porque não quis”. Poucos conseguem ter habilidades em todas as áreas do gesso e foi isso o que fez de José da Mota destaque no segmento.

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Senhor Mota, aos 81 anos, continua com a “mão na massa, de gesso”

Para o artista do gesso, São Paulo o ensinou durante 40 anos e ainda é uma grande escola profissionalizante que, além do tamanho, abriga gente rica, que não olha preço, mas a qualidade do serviço. Qualidade que existe no serviço de Mota, reconhecida desde tempos atrás pelas conceituadas decoradoras que tinham nele a referência. Qualidade que o trouxe para Três Pontas onde foi acolhido, onde é querido e respeitado por todos que conhecem a pessoa, o artista. Veio a trabalho, foi e voltou para ser tornar um filho ilustre da Terra de Padre Victor.

Hoje, José da Mota Filho cita Zuleima como uma grande decoradora de Três Pontas. E encerra a conversa com apenas mais um de tantos episódios. “Um dia, ela precisou de um bom profissional para trabalhar na casa do dono do Arroz Tatiana. A primeira coisa que ela fez foi me procurar”.

E engana-se quem está aí pensando que o pioneiro do ramo em Três Pontas, atualmente, aos 81 anos, apenas curte a vida. Ele está a todo vapor, sempre com as mãos na massa, de gesso, é claro.  A oficina do Mota fica na Rua Coronel João dos Reis, popularmente chamada Rua dos Bambus, no Centro da Cidade.

 

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