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Quaresma: por que a cor roxa, por que cobrir imagens, por que manter estas e outras práticas?

Quaresma e Prática de Cobrir Images por Padre Rogério 2

Entrevista

Padre Rogério Augusto da Silva

Pároco da Paróquia Cristo Redentor de Três Pontas

 

Padre Rogério, o que é, de fato, a Quaresma? 

“A Quaresma é um tempo que a Igreja nos concede para que possamos reconstruir a nossa vida a partir do amor e da graça de Deus e também de algumas práticas que nos ajudam a rever a nossa caminhada cristã, a nossa caminhada pessoal para que a gente não apequene a nossa vida. A vida do ser humano não pode ser menor do que ela aparenta ser, ela tem que ser grande. Todavia, só cresce aquele que revê sua existência e tem coragem de lançar sobre ela um olhar crítico para que se construa a cada dia. E os 40 dias da Quaresma é uma oportunidade que a Igreja nos dá para fazermos isso”.

Por que nesse período, a gente se depara com certas práticas que, num primeiro momento, nos causa certa estranheza?

“Atento à possibilidade de reconstrução da própria vida, tudo aquilo que se realiza no tempo da Quaresma deve colaborar para que a gente viva bem esse tempo, para que a gente faça desse tempo um retiro espiritual e celebre mesmo a conversão de modo que bem nos preparemos para a Ressurreição de Jesus, tendo em vista que o sentido da Quaresma é este, é nos convertermos, nos preparando, assim, para celebrar a Ressurreição de Cristo que é o centro da vida cristã. A Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus é que movem a nossa fé. A Liturgia que celebramos, que é o lugar onde elevamos a nossa grande Ação de Graças a Deus, deve colaborar nesse retiro. E é justamente aqui que vão entrar essas práticas que à primeira vista podem não significar nada, mas têm uma influência muito grande e colaboram”.

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Cruz na Igreja Nossa Senhora das Graças, Bairro Catumbi, ornamentada com o tecido roxo

Qual é o significado, a proposta, por exemplo, de se cobrir as imagens?

“A prática de cobrir as imagens é antiga na história da Igreja. O Papa Pio V, propunha a partir das rubricas do Missal que depois da manhã de Quinta-feira Santa – quando a Quaresma é concluída com a celebração à noite – que se tampassem as cruzes, todas as imagens de dentro da Igreja para mostrar que diante do sofrimento de Cristo não existe nada no mundo que seja capaz de expressar isso, aquilo que Deus faz por nós. Depois, o Papa Paulo VI renovou o ritual romano e propôs que a prática se estendesse não só pelo Tríduo Pascal (Quinta, Sexta e Sábado Santo), mas ao longo de toda Quaresma para que isso nos ajudasse também nesse processo de conversão”.

E o roxo visto, inclusive, nas vestes dos padres?

“A cor roxa é algo que gera no ser humano uma introspecção, uma reflexão maior. Então, ter aqui um tom de tristeza é para que a nossa alegria possa reverberar de forma mais intensa no Sábado Santo quando nós celebramos a Ressurreição de Jesus Cristo. Então, durante todo o tempo da Quaresma usa-se o roxo e tampam-se as imagens para que isso nos ajude a nos interiorizarmos para que cresçamos na prática do jejum, para que intensifiquemos a oração, o exercício da caridade  para que esse recolhimento possa nos levar à reconciliação com Deus para que a gente alcance, por meio da Sua cruz, o júbilo da Páscoa”.

Em algum momento da Quaresma é possível mudar a cor das vestes?

“No terceiro domingo, da Alegria, propõe que se utilize o rosa para mostrar a expectativa pela proximidade da Ressurreição de Cristo, depois volta-se a usar o roxo até o quinto Domingo. É assim também no tempo do Advento. No terceiro domingo usa-se o rosa, depois retorna ao roxo. Na Semana Santa as cores variam. No Domingo de Ramos, por exemplo, usa-se o vermelho, numa referência ao martírio, ao sangue de Jesus; ao ato triunfal de Jesus quando ele abraça definitivamente o projeto do Pai de morrer pela humanidade. Na Quinta-feira Santa usa-se o branco como referência ao mandato novo que  Jesus nos dá do amor. Na Sexta-feira Santa também usa-se o vermelho porque Cristo morreu na cruz e no Sábado e durante a Páscoa, o branco, da vida nova”.

Outra coisa que os mais atentos observam é o fechamento da Igreja no Sábado Santo, por que isso acontece?

“No Sábado Santo deve-se fazer silêncio o dia todo. A celebração é uma grande vigília que fazemos pela Ressurreição de Jesus. No domingo já não se encontra mais nada, Ele ressuscitou na noite de sábado, portanto, se você for à Semana Santa inteira e não participar do Sábado Santo, nada adianta, pois é o dia, digamos, mais importante. No Sábado Santo a Igreja fica fechada para demonstrar o nosso silêncio, quer dizer, Jesus está morto. À noite, quando nos reunimos ao redor da fogueira, estamos fazendo uma grande vigília, ou seja, esperando a Ressurreição de Jesus. Ele ressuscita para nos trazer a vida nova”.

Quando as imagens podem ser novamente vistas, descobertas?

“Justamente nesta celebração do Sábado Santo colocamos de novo as toalhas no Altar, destampamos as imagens porque não há mais razões para ficarmos tristes, já que a morte não triunfou sobre a vida, a última palavra não é da morte, é sempre da vida. Depois daquele duelo maravilhoso entre o amor e o ódio na cruz, Deus nos mostra que a vida sempre vai prevalecer porque Deus está vivo, Ele ressuscitou e nos dá aqui essa possibilidade”.

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Imagens cobertas – prática auxilia na conversão, processo que ganha ênfase durante a Quaresma

Aconteceram várias mudanças na Igreja Católica. Foram positivas?

“Com o Concílio Vaticano II, tivemos uma reforma muito grande na Igreja por meio da qual muitas coisas foram propostas para que se viabilizasse um acesso maior do povo às celebrações. Até o Vaticano II, que teve início em 1960 e depois a conclusão em 1965, as pessoas não podiam rezar na sua própria língua, não podiam ter acesso à Sagrada Escritura. O Papa João XXIII, de uma forma muito sábia, propôs que a primeira coisa que fosse feita seria uma reforma na Liturgia de modo que pudéssemos rezar na nossa própria língua, que a missa deixasse de ser algo assistido, mas participada e celebrada pelo povo, isso é fundamental. 

Com esta renovação, no entanto, nós perdemos muitas coisas, nós fomos deixando muita coisa de lado, achando que aquilo não tinha sentido mais. A água benta já não é mais colocada nas Igrejas, jogaram-se fora vestes litúrgicas, padres tiraram imagens. Houve uma perda. Você evolui, renova, mas existem coisas que não precisam ser descartadas porque têm a sua importância porque nos ajudam a rezar. Para viver, a gente precisa de várias coisas: ouvir, falar e ver também. E o símbolo quando a gente cai em uma dimensão sacramental é muito importante porque ele revela a presença de Deus, revela a presença do invisível. O símbolo visibiliza para nós aquilo que não conseguimos codificar com palavras”.

O senhor acredita que certas práticas se tornaram banais no conceito de alguns religiosos?

“Em Filosofia, o nosso Reitor, o Padre Paulo César, que é daqui de Três Pontas, dizia que a proximidade pode levar à banalização e isso é um grande risco. Por quê? Às vezes estou muito próximo do Sagrado e corro o risco de achar que isso não é importante mais, mas é. Quando eu não banalizo, eu percebo que essa piedade não se trata de algo fútil, mas de algo que me ajuda a viver. O povo é muito piedoso, o ser humano é religioso na sua essência, traz dentro de si essa vontade de se relacionar com o transcendente. E essa prática da piedade me ajuda a relacionar com Deus”.

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“… a Igreja por ser perita em humanidade tem esta percepção: isto é próprio da vida, do povo, então, é respeitar e não vejo dificuldade alguma em respeitar”

O senhor opta em manter práticas antigas, por exemplo, a de cobrir as imagens. O que o move a isso?

“Eu mantenho a prática por tudo aquilo que a Igreja nos ensina. Tudo que ajuda o povo a ser melhor, tudo aquilo que ajuda o povo a viver melhor temos que utilizar. Não podemos tolher o povo naquilo que é próprio da vida dele, não temos esse direito, não podemos matar na vida de ninguém aquilo que é próprio dele. Temos que respeitar a cultura do ser humano, respeitar aquilo que é próprio da sua existência para que a partir disso possamos divulgar o Evangelho, possamos crescer.

Então, nunca tive dificuldade alguma em preservar isso porque sei que isso ajuda a viver, é importante e tento viver em comunhão com a Igreja que é muito sábia e tem muito a ensinar. Se ajuda a viver bem tem que ser preservado, para que eu viva, para que eu reze e esta oração me transforme em um ser humano melhor. À medida que eu cresço enquanto pessoa humana, mais equilibrada, em harmonia comigo mesmo e com aquilo que compõe a minha existência – como consequência disso vou ser um bom cristão, um bom cidadão, um bom profissional, um bom pai, uma boa mãe – mas se a minha humanidade não estiver bem definida, não vou conseguir ser nada. Então, tudo isso ajuda a construir a pessoa humana e a Igreja por ser perita em humanidade tem esta percepção: isto é próprio da vida, do povo, então, é respeitar e não vejo dificuldade alguma em respeitar”.

As novas gerações questionam as práticas da Quaresma?

“Questionam, sim. Tudo que é novo causa espanto, medo. Todos têm o direito de saber e nós temos o dever de ensinar. Aquilo que eu compreendo na minha vida, me dá a possibilidade de ver melhor, então, enquanto não há compreensão, não há vivência em profundidade”.

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