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Filha Ilustre – dona Clemência chega aos 109 anos esbanjando vitalidade

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Andar descalça e o cigarrinho de palha estão entre as preferências de dona Clemência, indicada por amigos para o quadro Filho Ilustre

Os pés descalços foram fundamentais para a localização da personagem que ilustra a segunda edição do quadro Filho Ilustre do site Sintonizeaqui. Pedreiros que trabalhavam em uma obra lembraram-se do detalhe e apontaram a casa onde reside a mulher que tem o hábito de deixar os sapatos de lado. Lá encontramos dona Clemência Santos de Amorim que, coincidentemente, dois dias antes da nossa visita realizada em julho, havia completado 109 anos.

Os pés – calejados pelo tempo, um magoado por queimadura – ainda exibem chamativos passos firmes, tanto que vieram à mente do grupo de profissionais abordado pela reportagem. Aqueles resistentes pés haviam passado há pouco por lá, apesar do sol forte que, com certeza, fazia o chão arder como brasa. São eles que ainda sustentam um corpo miúdo, mas disposto. Dona Clemência cuida da casa, do quintal farto, vai às compras no supermercado, na padaria, no açougue, em lojas; vai ao banco, paga contas, vai ao médico, à Prefeitura. Detentora de plena saúde física e mental resolve tudo que precisa na rua sempre caminhando, sem calçados (às vezes de chinelos) e sem cerimônia. Da pobreza, veio o hábito, revela. Os pais – dona Maria e seu José – criaram cinco filhos com muita dificuldade e naquela época, diz, a riqueza era para poucos. Na verdade, dona Clemência, quanto a isso o Brasil praticamente não mudou…

No canto do sofá, um isqueiro e uma ponta de cigarro feito por ela mesma de fumo de rolo e palha. Mais tarde no decorrer da conversa, dona Clemência nos leva até o quarto onde um banquinho serve de suporte para os materiais com os quais lida desde menina. Aprendeu a fumar ainda criança, mas não recomenda que outros sigam o exemplo.

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Nascida no Vale do Jequitinhonha, dona Clemência conta que chegou a Três Pontas em plena safra da cana-de-açúcar e que trabalhou nas lavouras que serviam à Usina Boa Vista

Nascida em Coronel Murta, Vale do Jequitinhonha, ela veio para o Sul do Estado jovem, mas já viúva de Daniel Tiago da Silva com quem teve cinco filhos, dois ainda vivos, além de uma filha de criação. Os netos e bisnetos nem sabe mais quantos tem… Voltando ao passado, quando aportou em Três Pontas, era safra da cana de açúcar e a Usina Boa Vista estava em plena produção, recorda. Na terra natal, diz dona Clemência, aprendeu a lavar, passar, costurar, fazer farinha de mandioca, a “tirar polvilho” e até a garimpar. Do fundo da memória traz à tona também a experiência de encontrar pedras que viraram anéis… belos pares de brincos… “Eu sei trabalhar nisso tudo, ah isso eu sei e tenho saudade”.

No entanto, o sustento por aqui foi garantido sempre pela lida nas lavouras. Capinou, aprendeu a apanhar café. “Eu não quis trabalhar em casa de família. Gosto mesmo é da roça, da enxada, foice, é do machado”, conta com bravura. E gosta mesmo! No dia da entrevista, dona Clemência estava chateada porque não tinha conseguido, neste ano, ir para a colheita. Uma dor na perna a impediu, mas ela jura que volta ao campo porque o joelho vai ter se curar com os remédios; cirurgia – garante – nem pensar, afinal obrigá-la a ficar parada é o mesmo que pedir para enlouquecer.

Despachada, ativa, dona Clemência no auge dos seus 109 anos se não pode ir à lavoura, traz a horta para perto dela. No quintal, cultiva couve, alface, tomate, cebolinha, maracujá. Do outro lado, num terreno emprestado pelo vizinho, cria galinhas e tem ovos de sobra. Resistente às doenças, para a senhora que já se tornou trespontana, não há nada melhor que pisar o chão frio e comer peixe, carne de porco, sopa de mandioca, angu, feijão com farinha de milho. Comida “moderna, granfina” para ela está completamente fora do cardápio e não é por questões financeiras, mas de preferência mesmo.

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Os cuidados com a horta ocupam boa parte do tempo da “trespontana de Coronel Murta”

Os apuros com os quais se deparou ao longo da estrada não impediram dona Clemência de ser alegre, simpática e de boa prosa. Foram muitos os obstáculos, muitas feridas dolorosas cicatrizadas – ou ao menos amenizadas – por meio de muita fé, especialmente, em Nossa Senhora. O avô “adivinhão” já dizia que ela e os irmãos iriam ver “coisas de outro mundo” e a previsão se concretizando – principalmente em forma de drogas que devastam famílias inteiras, se materializando na banalização da vida – é algo entre tão poucos que consegue apagar o brilho nos olhos de dona Clemência.

“Essa bagunça que está no mundo para mim é ruim. É um tirando a vida do outro, é pai matando filho, é filho matando mãe, é marido matando esposa. Quando eu era criança não tinha essas coisas e eu não tinha esperança de ver isso. Quando vejo cenas assim na televisão, elas acabam comigo. O mundo está do mesmo jeitinho que Jesus Cristo fez, mas o povo mudou demais”, lamenta.

Mas, forte que é, rapidinho dona Clemência se recompõe e ela fala de coisas boas. Ter a casa própria era o grande sonho. Correu atrás, do próprio esforço retirou o dinheiro economizado a duras penas, alguns amigos ajudaram, enfim, o Senhor providenciou. Hoje, a maior vontade é viajar e conhecer “mais longe” e, claro, voltar à cidade onde nasceu para rever tantos parentes e amigos deixados lá em certo dia.

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Religiosa, dona Clemência diz que tanta vitalidade é uma graça divina

A esse mesmo Deus, dona Clemência atribui tanta vitalidade. Ela conta que, naquele momento, só não se sentia mais feliz porque não tinha ido para a colheita do café, não esteve no meio da turma com a peneira em mãos. Aproveita para dizer que na lavoura não se importava com sol ou chuva. Ensina, então, que todas as iniciativas divinas são bem-vindas especialmente quando se faz o que mais gosta, no caso dela ainda é trabalhar.

Assim é dona Clemência, uma mulher simples que é também “filha ilustre” de Três Pontas. As terras de Padre Victor ela aguou com o próprio suor… plantou e fez frutificar em tantos campos neste rincão brasileiro, nesta Cidade de encantos mil que por suas altivas serras abriga cafezais sem fim… é de fora, mas é bem a cara do povo daqui, varonil. Então… salve, salve, salve! Dona Clemência, centenária.

 

 

 

 

 

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